Passar os olhos pelas estantes da livraria é um pouco como uma lotaria, às vezes aprendemos algo de novo, a próxima capa pode ser um estudo dos planos de Napoleão para invadir o Reino Unido (nunca realizados, obviamente) e o seu efeito na opinião popular e na política da época.
Por outro lado, às vezes a próxima pode ser uma bela treta, como o livro que encontrei neste fim de semana, idiota e talvez até um pouco perigoso.
Promete mostrar "O Que é Que os Portugueses Têm na Cabeça?", e isso já deve começar por tocar alguns sinais de alarme na nossa, os países são criaturas complexas criaturas, dentro de um deles podem habitar várias culturas e gerações cheias de nuances e diferenças.
Colar uma "identidade" a um povo é tentador porque é simples, aponta-se os holofotes para os pontos que queremos realçar, varre-se os que não convêm para debaixo do tapete e tem-se um retrato estereotipado, bom para aquecer o ego e justificar escolhas.
Neste livro o estereotipo é o do Português mauzinho, inveja, corrupção, mania das grandezas, corrupção, falta de pontualidade, etc.
Bom, algumas destas coisas são evidentemente idiotas, como se mede a "inveja" de um país por exemplo? Posso procurar anedotas e ditados populares, talvez até fazer circular um questionário bonitinho, mas no fim tudo como diabos vou medir isto? Em Kiloinveja por capita? E como definir "inveja"? Qualquer pessoa pode descrever uma emoção, mas transformar isso em algo que se pode medir e comparar é no mínimo suspeito.
Mas essa tentativa de medir o vago e o emocional até pode ser útil, porque pode levar a pessoa a olhar para além do seu próprio país e descobrir algo que a vai esclarecer. Isto partindo do principio que não olha já de vez em quando, o que não é dificil, mas como esta porcaria foi escrita algumas pessoas devem não o fazer.
Olhando para fora descobrimos algo, há sempre alguém que se queixa em todos os países e queixam-se da mesma coisa, políticos corruptos, mania da grandezas, desperdício, etc. Há pouco tempo houve um escândalo de corrupção no Luxemburgo, muitos Britânicos não suportam o Cameron, os Americanos estão a ficar exasperados com a máquina política de Washington.
Tudo isto porque no fundo as pessoas são mais ou menos iguais em todo o lado, uma pessoa não é corrupta por causa do ar que respira ou do leite da mãe, mas porque tem tentações e oportunidade para isso. Um país pode dar mais ou menos oportunidade para isso, é verdade, mas isso depende de muitas coisas diferentes, as instituições e as culturas que funcionam bem chegam a esse ponto com história e circunstancias favoráveis.
Então, todos países têm estes problemas "Portugueses", mais controlados e vigiados em alguns, ou então compensados com riqueza e poder, mas eles estão lá.
Isto não devia ser uma surpresa para ninguém, as crises financeiras e os problemas do Euro deviam ter mostrado que não há países "mágicos", a Alemanha teve um "soluço" na economia há pouco tempo, o crescimento económico pela Europa em geral está doente.
E é por isso que a ideia deste livro para além de idiota é perigosa, é conveniente dizer que os nossos problemas são só de cá e que se arranjam com mais ou menos austeridade, o famoso "viver acima das possibilidades".
Não, os problemas que temos agora são uma criatura muito complicada que vai daqui até Berlim, naturalmente, visto que os pedaços da Europa e do mundo não vivem separados uns dos outros.O próprio Euro há de precisar da alguns arranjos ou pancadas para continuar a funcionar, é preciso admitir isso ou nunca nos livramos da crise.
E isso vale para todas as questões económicas, e é a razão pela qual a economia de um país não funciona como o orçamento de uma dona de casa, outra ideia idiota e perigosa, mas isso pode ficar para escrever noutra altura.
E chega de escrever por agora, não o fazia tanto há tempos.
E tudo por causa daquele livro imbecil.