domingo, 30 de novembro de 2014

Não, não somos especialmente defeituosos

Passar os olhos pelas estantes da livraria é um pouco como uma lotaria, às vezes aprendemos algo de novo, a próxima capa pode ser um estudo dos planos de Napoleão para invadir o Reino Unido (nunca realizados, obviamente) e o seu efeito na opinião popular e na política da época.

Por outro lado, às vezes a próxima pode ser uma bela treta, como o livro que encontrei neste fim de semana, idiota e talvez até um pouco perigoso.

Promete mostrar "O Que é Que os Portugueses Têm na Cabeça?", e isso já deve começar por tocar alguns sinais de alarme na nossa, os países são criaturas complexas criaturas, dentro de um deles podem habitar várias culturas e gerações cheias de nuances e diferenças.

Colar uma "identidade" a um povo é tentador porque é simples, aponta-se os holofotes para os pontos que queremos realçar, varre-se os que não convêm para debaixo do tapete e tem-se um retrato estereotipado, bom para aquecer o ego e justificar escolhas.

Neste livro o estereotipo é o do Português mauzinho, inveja, corrupção, mania das grandezas, corrupção, falta de pontualidade, etc.

Bom, algumas destas coisas são evidentemente idiotas, como se mede a "inveja" de um país por exemplo? Posso procurar anedotas e ditados populares, talvez até fazer circular um questionário bonitinho, mas no fim tudo como diabos vou medir isto? Em Kiloinveja por capita? E como definir "inveja"? Qualquer pessoa pode descrever uma emoção, mas transformar isso em algo que se pode medir e comparar é no mínimo suspeito.

Mas essa tentativa de medir o vago e o emocional até pode ser útil, porque pode levar a pessoa a olhar para além do seu próprio país e descobrir algo que a vai esclarecer. Isto partindo do principio que não olha já de vez em quando, o que não é dificil, mas como esta porcaria foi escrita algumas pessoas devem não o fazer.

Olhando para fora descobrimos algo, há sempre alguém que se queixa em todos os países e queixam-se da mesma coisa, políticos corruptos, mania da grandezas, desperdício, etc. Há pouco tempo houve um escândalo de corrupção no Luxemburgo, muitos Britânicos não suportam o Cameron, os Americanos estão a ficar exasperados com a máquina política de Washington.

Tudo isto porque no fundo as pessoas são mais ou menos iguais em todo o lado, uma pessoa não é corrupta por causa do ar que respira ou do leite da mãe, mas porque tem tentações e oportunidade para isso. Um país pode dar mais ou menos oportunidade para isso, é verdade, mas isso depende de muitas coisas diferentes, as instituições e as culturas que funcionam bem chegam a esse ponto com história e circunstancias favoráveis.

Então, todos países têm estes problemas "Portugueses", mais controlados e vigiados em alguns, ou então compensados com riqueza e poder, mas eles estão lá.

Isto não devia ser uma surpresa para ninguém, as crises financeiras e os problemas do Euro deviam ter mostrado que não há países "mágicos", a Alemanha teve um "soluço" na economia há pouco tempo, o crescimento económico pela Europa em geral está doente.

E é por isso que a ideia deste livro para além de idiota é perigosa, é conveniente dizer que os nossos problemas são só de cá e que se arranjam com mais ou menos austeridade, o famoso "viver acima das possibilidades".

Não, os problemas que temos agora são uma criatura muito complicada que vai daqui até Berlim, naturalmente, visto que os pedaços da Europa e do mundo não vivem separados uns dos outros.O próprio Euro há de precisar da alguns arranjos ou pancadas para continuar a funcionar, é preciso admitir isso ou nunca nos livramos da crise.

E isso vale para todas as questões económicas, e é a razão pela qual a economia  de um país não funciona como o orçamento de uma dona de casa, outra ideia idiota e perigosa, mas isso pode ficar para escrever noutra altura.

E chega de escrever por agora, não o fazia tanto há tempos.

E tudo por causa daquele livro imbecil.

4 comentários:

  1. Olá Paulo. Eu sou a autora desse livro. Tenho pena que tenhas escrito este post sem teres a mínima ideia sobre o que está lá dentro. Terias percebido que o próprio autor partilha das tuas preocupações sobre a abordagem dos estereótipos… Enfim, um dia se leres o que está lá dentro e quiseres falar com substância cá estarei.

    Marisa Moura

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    1. Eu abri o livro, li, e infelizmente tenho uma ideia do que está lá dentro, arrependo-me disso e preferia ter usado aqueles momentos da minha vida a ler algo melhor mas agora já está feito.

      É um conceito falso, nada do que está ali escrito é particularmente "Português", são coisas humanas que podem ser encontradas em qualquer país do mundo à escolha.

      Sim, um critico Americano pode sentir tanta inveja ou criticar um artista tão ferozmente como um Português, sim, um comboio Francês pode se atrasar tanto quanto um dos nossos.

      As "culturas" são coisas mutáveis e vagas, algumas pessoas não gostam disso mas é a realidade, era bom que fosse só uma questão de atravessar uma fronteira e ter pessoas mais ou menos boas assim bastava enfiar um Alemão em cada governo da Europa e tínhamos todos os problemas resolvidos, mas o mundo é muito mais complicado do que isso.

      No máximo podemos dizer que um governo ou uma instituição num país qualquer funciona mais ou menos bem, com a cautela de que isso está sujeito a mudar para melhor ou pior conforme o mundo gira.

      Medir ou esquematizar as ideias de um "povo" não faz sentido (também porque "povo" é tão nebuloso quanto "raça", boa sorte para definir isso também), pode dar para vender livros com histórias e anedotas para parecerem estudados, mas no fim é uma ilusão, uma história para reconfortar ou assustar e esconder a realidade.

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  2. esse livro deve ser uma bela peça de leitura;)
    agora fui para aqui:
    http://chocolateemtempodechuva.blogspot.pt/
    beijinhos

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    1. Se gostas de literatura de terror, sim, mete mais medo do que qualquer vampiro, zombie ou fantasma. ;)

      Especialmente porque ficas com a sensação de que algum desgraçado ainda é capaz de levar aquelas ideias a sério.

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